Já é seguro sair de casa? Já posso colocar o “pezinho” na
rua, sem correr o risco de ser atropelado por uma multidão que vai na direcção
de um qualquer produto com desconto, que ninguém sabe muito bem qual? Já acabou
a febre de comprar pechinchas, que estavam mais baratas na semana passada? Já?
Já? Já posso? É que já não há pachorra.
Quando digo que esta coisa da Sexta-Feira Preta (para os
mais puristas “Black Friday”) é uma treta em Portugal, tenho sempre 3 vozes que
me dizem “lá estás tu com o teu mau feitio”. Quando digo que descontos,
descontos, é em algumas lojas dos “States”, tenho sempre alguém que me
questiona o meu dever patriótico de defender o que é nosso. E quando digo que a
malta gosta de ser enganada, tenho sempre uns olhares reprovadores em cima, com
o objectivo de me intimidarem e de me obrigarem a calar. Mas vamos lá ver
se nos entendemos: eu, o Carlos, também gosto de um bom desconto e estou sempre
disponível para entrar em modas, desde que isso não ofenda a minha integridade física
(gosto tanto desta expressão, que já andava há semanas com vontade de a
escrever).
Reparem numa coisa: alguma vez na vida me iam admirar (sim,
não me viam, admiravam), às-não-sei-quantas-horas-da-manhã, no Colombo ou no
Norte Shopping, no meio de um mar de malta que não conheço de lado nenhum,
dispostos a tudo para serem os primeiros a obter um produto a um preço
reduzido? Não, não me apanham nisto. Odeio estar no meio de muitas pessoas, num
espaço pequeno. Odeio sentir que não tenho espaço para respirar. Odeio pessoas
no geral, pronto (sim, sou um bocado antissocial). E se não vou às 5 da matina
para a porta do Centro de Saúde, para arranjar uma consulta de urgência, porque
carga de água iria para porta de uma loja com horas (dias!) de antecedência, para pagar menos 20 euros? Ou 100
euros, vá?
Compreendo, porém, que se conseguirmos comprar algo a um
preço mais simpático, conseguimos poupar para outras coisas, mas temos que
pensar bem no custo/benefício disto tudo. Se faz sentido. Se estamos dispostos
a arriscar a nossa vida, por algo material. Mas se há coisa que todos podemos
aprender, com as imagens que circularam nas redes sociais nos últimos dias, onde
um tsunami de pessoas tenta entrar primeiro numa conhecida loja de tecnologia
(não vou dizer qual é, que eles não me pagam a publicidade) é que nas próximas
eleições, a República Portuguesa devia de fazer uma espécie de “Sexta-Feira
Preta”, onde ofertavam qualquer coisa em troca de votar (já sei que a ideia
não é original, e que houve em tempos quem ofertasse micro-ondas, máquinas de
lavar-roupa e assim). Calma. Não estou a sugerir a compra de votos. Era uma piada
a ver se conseguimos trocar as nossas prioridades sociais. Enfim. No fundo, no
fundo, estou um bocado ressabiado porque gastei 300 euros em análises clínicas
para ver se tenho um gene não-sei-do-quê e não tive nenhum desconto porreiro. E
como dizia o outro: “porreiro, pah, porreiro”!
É pah, lembrei-me agora… hoje é a “Cyber Monday”. Cada dia é
uma coisa nova. Se isto fosse no meu tempo… andava tudo preocupado em saber se a
Malfada Veiga ainda lançava canções novas – isto sim, uma questão fraturante da
sociedade.
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